28.10.06

A Arqueologia Verde ou a Desvalorização do Arqueólogo


Já há algum tempo que se tem falado, no Ciberespaço arqueológico, sobre os mais variados problemas da Arqueologia Empresarial. Porém, até o momento, ainda que alguns intervenientes demonstrem querer aprofundar uma discussão séria, parece que se levanta uma barreira quando se fala em bom senso, respeito, integridades e afins… fala-se de tudo e o principal fica pelo meio do caminho.
Nós, no arqueo-blog, estamos dispostos a levantar sempre questões que achamos necessário serem debatidas pela comunidade arqueológica, bem como por outras pessoas. Umas vezes com “pontapés na gramática”, outras vezes com linguagem mais rebuscada, estamos dispostos a seguir em frente com a nossa luta por um espaço onde possam ser debatidos assuntos ligados a arqueologia, sem qualquer tipo de preconceito ou censura. A única coisa que pedimos é o respeito pela ideia dos outros e que não haja medo de participar.
De acordo com esta forma de pensar, resolvi retomar um assunto que tem sempre ficado por debater, principalmente pelos Empresários da Arqueologia. Vamos colocar a questão desta forma:

Qual é o valor (em todos os sentidos) de um Arqueólogo?

Iniciando pelo lado financeiro:

Na arqueologia dos recibos verdes, alguns colegas tem levantado a voz contra os baixos salários que actualmente estão a ser praticados pela arqueologia empresarial.

De acordo com alguns exemplos concretos de que tenho conhecimento através de outros colegas ou através da minha própria experiência, temos o seguinte quadro:

Tomando por base o cálculo de 1100,00 euros feitos para 22 dias da trabalho (50,00 dia) e 8 horas diárias temos:

1100,00 – 20% Retenção = 880,00 €

Agora descontando a Segurança Social

880,00 – 185,23 De Segurança Social = 694,77€

Se calcularmos uma refeição diária feita fora (almoço), ficamos com:

694,77 – (5,00 x 22 dias) = 584,77€

Do valor final de 584,77€ ainda teriam que ser descontados, deslocação e manutenção da viatura.
Agora uma pergunta: Quem tem filho(s), pagar casa, alimentação, roupa e bens básicos como água, luz, gás e Internet, que actualmente é indispensável, será que consegue sobreviver com este dinheiro?
E se pensar em frequentar um Mestrado ou Doutoramento?...

Sem querer desvalorizar outros profissionais ou outras profissões, fazemos a seguinte exposição:

- Um técnico formado pela Escola do Freixo ganha em média 45,00 a 50,00/dia.
- Um servente ganha em média 35,00/dia e um pedreiro 50,00 a 60,00/dia com a vantagem de no final da obra não terem que realizar relatórios finais e outras dores de cabeça…

E o assunto não fica somente por aqui:
Algumas empresas de Arqueologia optam por (somente) contratar recém-licenciados, pagando salários entre 700,00 € a 900,00 € mensais ou por oferecerem estágios que são participados em parte pelos centros de empregos.

Os arqueólogos com traquejo aceitam ganhar menos ou são “encostados” e trocados por arqueólogos sem experiência que aceitam ganhar baixos salários.
Estamos perante três tipos de desvalorização: uma salarial, outra científica e a desvalorização do ser humano, que na minha opinião é a pior de todas!
Sem esquecer que quem acaba sendo “encostado”, não tem direito ao fundo desemprego.

Mas não há aqui nenhum uso nem abuso dos colegas arqueólogos!

Partindo do principio que uma pessoa sai da universidade com aproximadamente 23/24, sabemos que possui mais ou menos 10 anos para conseguir alcançar uma estabilidade económica. Mas com o exemplo de salário referido é praticamente impossível, a menos que viva em casa dos pais.

Estas questões, que são reais, não devemos evitar falar nelas. Alguns de nós já estiveram dos dois lados: empregador e empregado.
E não esqueçam que também em nome da ética, são ideias e opiniões que pedimos, nunca ataques pessoais.
Obrigado,

18.10.06

Sentir, dizer, expressar

A ciência pode considerar-se umas das maiores proezas da mente humana. Mas o que, de facto, mais importante a ciência nos ensinou, sobre o nosso lugar no universo, é não somos tão especiais…

De uma forma geral, parece-se certo pensar que o progresso tem sido construído passo a passo, por pessoas singulares, por grupos de pessoas, mas sempre a partir do trabalho dos antecessores. Umas vezes negando-os, outras vezes justificando-os e outras pulando, simplesmente, para fora … Veja-se que Galileu, por exemplo, não esteve sozinho… As rupturas não são efectivamente interrupções, são continuidades, ainda que signifiquem mudança.

Toda esta aventura torna a história da humanidade um caminho admirável!

Não vale a pena querer separar o indivíduo da sociedade. Cada um reage à sociedade de uma forma única e cada um contribui à sua maneira para a colectividade. Mas somos seres sociais.

As ligações entre o sujeito e o objecto, o indivíduo e a sociedade, o sistema e o subsistema (se quisermos usar os termos!) o natural e o cultural, o tempo e o espaço, estiveram sempre lá e continuam a estar.

Não acredito muito numa versão que defenda um complexo de inferioridade para um ou outro período do tempo, de uma Modernidade para uma Pós Modernidade, por exemplo. Defendo que há uma maior maturação, de temporada para temporada, mas também admito que se está sempre imaturo, porque acabaremos por avançar para um nova época ou um novo paradigma. A aprendizagem é constante, como é usual acontecer com a vida de cada indivíduo.

E nós, enquanto objecto e sujeito pensantes (com autodeterminação e submetidos à acção de outros agentes), somos susceptíveis a essas diferentes imagens ou sequências da continuidade. Perceber o homem, hoje e ontem, é perceber o argumento. Perceber o arqueólogo, ontem e hoje é querer perceber o tecido inteiro.

Enquanto sujeitos, parece-me que nunca deveríamos agir sem pensar no nosso objectivo final. E amadurecer, não arrastados pelas outras áreas de acção, mas preocupar-se realmente em chegar ao nosso objecto, sempre aproveitando novas técnicas, novas abordagens...

3.10.06

Prática e Moral

Durante a leitura de textos do filósofo Jürgen Habermas, apreendi que este concebe as sociedades modernas constituídas por dois mundos: o mundo sistémico e o mundo da vida - os subsistemas económico e político por um lado e o mundo vivencial (“lebeneswelt”), por outro.

O mundo sistémico orienta-se, através do uso do poder económico e político, procurando meios para chegar aos fins. Objectiva o êxito, o sucesso, a dominação.

No mundo da vida, o entendimento e orienta-se pela acção comunicativa que possibilita pensar e analisar as relações sociais quotidianas, espontâneas e padronizadas. Procura o entendimento mútuo, onde se manifestem os variados pareceres, visando o entendimento e o benefício de cada indivíduo e de toda a sociedade.

Segundo Habermas, estes dois mundos, agindo em equilíbrio, interpenetram-se e subordinam-se um ao outro. Mas a colonização do mundo da vida pelo mundo sistémico é cada vez maior e corresponde ao que Habermas chama de patologia da modernidade.

A estratégia de acção instrumental do mundo sistémico expulsa a acção comunicativa; o poder, o dinheiro, o prestígio e o sucesso tornam-se deuses, desacreditando cada vez mais os valores familiares, comunitários e as relações sociais.

Depois de ler estes textos e pensando a arqueologia de emergência esquadrada no mundo sistémico, uma dúvida me assolou, indo de encontro a estas questões: Será alguma vez possível fazer uma boa arqueologia de emergência? Será a arqueologia de emergência efectivamente arqueologia?



HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1889.