3.10.06

Prática e Moral

Durante a leitura de textos do filósofo Jürgen Habermas, apreendi que este concebe as sociedades modernas constituídas por dois mundos: o mundo sistémico e o mundo da vida - os subsistemas económico e político por um lado e o mundo vivencial (“lebeneswelt”), por outro.

O mundo sistémico orienta-se, através do uso do poder económico e político, procurando meios para chegar aos fins. Objectiva o êxito, o sucesso, a dominação.

No mundo da vida, o entendimento e orienta-se pela acção comunicativa que possibilita pensar e analisar as relações sociais quotidianas, espontâneas e padronizadas. Procura o entendimento mútuo, onde se manifestem os variados pareceres, visando o entendimento e o benefício de cada indivíduo e de toda a sociedade.

Segundo Habermas, estes dois mundos, agindo em equilíbrio, interpenetram-se e subordinam-se um ao outro. Mas a colonização do mundo da vida pelo mundo sistémico é cada vez maior e corresponde ao que Habermas chama de patologia da modernidade.

A estratégia de acção instrumental do mundo sistémico expulsa a acção comunicativa; o poder, o dinheiro, o prestígio e o sucesso tornam-se deuses, desacreditando cada vez mais os valores familiares, comunitários e as relações sociais.

Depois de ler estes textos e pensando a arqueologia de emergência esquadrada no mundo sistémico, uma dúvida me assolou, indo de encontro a estas questões: Será alguma vez possível fazer uma boa arqueologia de emergência? Será a arqueologia de emergência efectivamente arqueologia?



HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1889.

10 Comments:

Blogger Joaquim Baptista said...

De facto nas situações de emrgência, nem tudo é feito seguindo os métodos e os protocolos, mesmo assim, será sempre uma arqueologia do desenrrasca. Por detráz está aquele que pratica a arqueologia, seja ela qual for, com intelecto e de forma por vezes inata.

12:20 da manhã  
Blogger Gonçalo Leite Velho said...

Interessante.
Como sempre, muito tem haver com a própria Ética (um dos campos da Filosofia).
Num dos diálogos, em Irmãos Karamazov de Dostoievski, Ivan interroga-se sobre o que seria deste mundo se não houvesse castigo, nem sequer sob a forma de remorso.
Como seria se não existisse culpa...
E onde surge esta? Advem da sociedade ou é própria da pessoa?

Cada um tem a resposta dentro de si (a ética protestante...)


A ideia de Habermas de mundo sistémico transporta-nos ainda para aquelas ideias da arqueologia processual (alguém falou em subsistema?).
Acho que está por aí uma excelente metáfora do conflito entre um mundo de imposição vs um outro que lhe possa surgir como alternativa.

1:29 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Uma grande parte dos arqueólogos é usada e abusada por outros arqueólogos que, a dada altura, deixam de ser colegas para serem patrões. Muitas vezes chega-se a uma relação senhor e servo ou (Pior!) escravo. E esta é também uma situação de falta de ética e de descrédito para com a actividade, para com a profissão e para com o grupo (denegrindo-o perante os “parceiros sociais”).

7:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A arqueologia de emergência tamém "Procura o entendimento mútuo (...) o benefício de cada indivíduo e de toda a sociedade", se assim não fosse não haveria necessidade de existir e não se tinham criado estruturas. Pode haver algum desequilíbrio, perdendo o entendimento em favor do lucro, mas isso já depende de cada arqueólogo.
A noção de bem e o mal precisam de existir em cada indivíduo, mas este também inserido e educado de acordo com normais sociais.
A noção de culpa existe, mas alguns aleijões passam-lhe por cima.

1:25 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

É claro que é possível praticar uma boa arqueologia de emergência. Tenho feito isto independentemente de ser um trabalho pessoal ou por uma empresa.
Porém, existem empresas e empresas. Cabe a cada "profissional" saber com quem vai trabalhar.
Apesar da situação económica não ser muito boa, eu pessoalmente não trabalho para algumas empresas que conheço que não valorizam o trabalho do arqueólogo. Prefiro ir "lavar pratos" do que prejudicar a minha carreira profissional.
A alguns anos, no meio de umas sondagens tive que "mandar as favas" a empresa para qual estava trabalhando pois ela não queria cumprir o caderno de encargos e ao mesmo tempo estava colocando em risco todo o trabalho já realizado até aquele momento.
Ainda existem algumas empresas boas e com qualidade, o que não existe ultimamente é mão-de-obra bem preparada.

7:58 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Sobre modelos conceptuais... há dias deparei com um texto cuja essência achei ir de encontro ao que já foi aqui dito:
Norbert Elias, entre tantos autores, defende que as acções e os actores não podem ser tratados separadamente, assim como indivíduo e grupo não são separáveis. O autor recrimina a divisão entre ciências humanas e naturais como resultado do desenvolvimento de um conhecimento estanque e particularizado. Lembra que, depois desta cisão, tem sido mais complicado captar as complexas relações constituídas entre homem e tempo num espaço.
Pensemos nisto.
Elias, Norbert, A Sociedade dos Indivíduos, 1ª edição, Lisboa, Publicações Dom Quixote, Junho de 1993

7:00 da tarde  
Blogger Gonçalo Leite Velho said...

A propósito do comentário de a_magalhaes recomendo a obra de Chris Fowler:

Fowler, C. (2004) The Archaeology of Personhood: An Anthropological Approach. London: Routledge

Pagina pessoal do autor: http://www.ncl.ac.uk/historical/staff/profile/c.j.fowler

9:11 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Obrigada Gonçalo. Como o assunto me despertou interesse vou procurar o site e bibliografia. É agradável que se discutam estas questões. Bom fim semana Ana

10:06 da manhã  
Blogger Unknown said...

Ei! Boa tarde, porque já é de facto tarde...!

Bom, não sou arqueóloga, nem está nos meus planos sê-lo. O meu querido irmão está no Curso de arqueologia, e através do seu blogue e por curiosidade vim aqui ter. A minha área são as ciências humanas e sociais. Trabalho, já agora em Cinfães, uma zona isolada a diversos níveis, um deles o arqueológico.
Desde já parabéns pela síntese do autor, acho que está bastante interessante. Gosto muito de Habermas. O Consenso, no seu sentido englobante, é a ideia que mais me agrada da sua teoria.
Uma teoria filosófica? ou prática?Ambas, relacionadas, na minha perspectiva. Enquanto sociedade, vivemos pouco deste binómio, enrolando-nos, em soluções, esquemas, com um elevado nível de auto-destruição, ineficácia, e rapidamente perecíveis. Bom, mais uma vez, como todas as causas que me parecem justas, a vossa, da qual aproveitei para pesquisar brevemente por aqui mesmo, merece o MOVIMENTO favorável, a MUDANÇA, a melhoria societal e individual para uma realidade onde se possa expandir um pouco mais a alma.
DESTE MODO FAÇO-VOS A PERGUNTA: DE QUE FORMAS ESTAIS ACTUALMENTE UNIDOS, ENQUANTO CLASSE PROFISSIONAL, OU COMO ENTENDERDES? A FILOSOFIA PRÁTICA DA ARQUEOLOGIA ENQUANTO ACTIVIDADE COM INTERESSE HUMANO E SOCIAL ESTÁ CRIADA? ... É uma pergunta aberta penso. Espero que vos ajude de alguma forma a procurar uma solução. Por aqui, no que me toca, a força da razão está convosco.
Bom trabalho...

10:48 da tarde  
Blogger Uma arqueóloga said...

Gosto particularmente que haja gente de outras áreas a visitar-nos! Formações diferentes a discutir um mesmo assunto, vendo-o de diferentes perspectivas...
Também gosto de Habermas. Como disse: “O Consenso, no seu sentido englobante”, é muito agradável de apreender! Não vale a pena teimarmos em querer agir de forma contrária… não chegamos a lado nenhum!
A mudança é necessária, é preciso que se tome consciência. É preciso ser e não apenas parecer. É preciso ser e não apenas ter.

Tudo incipiente! A ditadura foi-se há pouco…
A realidade da arqueologia feita em Portugal modifica-se no fim dos anos 90. O país inserido de fresco na Europa é palco para uma vaga de construções. O número de arqueólogos cresce: em instituições públicas e privadas. As entidades do segundo grupo são quem mais emprega a mão-de-obra “arqueológica”!

Veja a página da associação profissional arqueologia: http://www.aparqueologos.org/

Mas há muito a fazer neste campo que expõe “A FILOSOFIA PRÁTICA DA ARQUEOLOGIA ENQUANTO ACTIVIDADE COM INTERESSE HUMANO E SOCIAL…”
É preciso vontade de o fazer. É precisa gente.
Apareça mais vezes!

8:22 da manhã  

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