A Arqueologia Verde ou a Desvalorização do Arqueólogo
Já há algum tempo que se tem falado, no Ciberespaço arqueológico, sobre os mais variados problemas da Arqueologia Empresarial. Porém, até o momento, ainda que alguns intervenientes demonstrem querer aprofundar uma discussão séria, parece que se levanta uma barreira quando se fala em bom senso, respeito, integridades e afins… fala-se de tudo e o principal fica pelo meio do caminho.
Nós, no arqueo-blog, estamos dispostos a levantar sempre questões que achamos necessário serem debatidas pela comunidade arqueológica, bem como por outras pessoas. Umas vezes com “pontapés na gramática”, outras vezes com linguagem mais rebuscada, estamos dispostos a seguir em frente com a nossa luta por um espaço onde possam ser debatidos assuntos ligados a arqueologia, sem qualquer tipo de preconceito ou censura. A única coisa que pedimos é o respeito pela ideia dos outros e que não haja medo de participar.
De acordo com esta forma de pensar, resolvi retomar um assunto que tem sempre ficado por debater, principalmente pelos Empresários da Arqueologia. Vamos colocar a questão desta forma:
Qual é o valor (em todos os sentidos) de um Arqueólogo?
Iniciando pelo lado financeiro:
Na arqueologia dos recibos verdes, alguns colegas tem levantado a voz contra os baixos salários que actualmente estão a ser praticados pela arqueologia empresarial.
De acordo com alguns exemplos concretos de que tenho conhecimento através de outros colegas ou através da minha própria experiência, temos o seguinte quadro:
Tomando por base o cálculo de 1100,00 euros feitos para 22 dias da trabalho (50,00 dia) e 8 horas diárias temos:
1100,00 – 20% Retenção = 880,00 €
Agora descontando a Segurança Social
880,00 – 185,23 De Segurança Social = 694,77€
Se calcularmos uma refeição diária feita fora (almoço), ficamos com:
694,77 – (5,00 x 22 dias) = 584,77€
Do valor final de 584,77€ ainda teriam que ser descontados, deslocação e manutenção da viatura.
Agora uma pergunta: Quem tem filho(s), pagar casa, alimentação, roupa e bens básicos como água, luz, gás e Internet, que actualmente é indispensável, será que consegue sobreviver com este dinheiro?
E se pensar em frequentar um Mestrado ou Doutoramento?...
Sem querer desvalorizar outros profissionais ou outras profissões, fazemos a seguinte exposição:
- Um técnico formado pela Escola do Freixo ganha em média 45,00 a 50,00/dia.
- Um servente ganha em média 35,00/dia e um pedreiro 50,00 a 60,00/dia com a vantagem de no final da obra não terem que realizar relatórios finais e outras dores de cabeça…
E o assunto não fica somente por aqui:
Algumas empresas de Arqueologia optam por (somente) contratar recém-licenciados, pagando salários entre 700,00 € a 900,00 € mensais ou por oferecerem estágios que são participados em parte pelos centros de empregos.
Os arqueólogos com traquejo aceitam ganhar menos ou são “encostados” e trocados por arqueólogos sem experiência que aceitam ganhar baixos salários.
Estamos perante três tipos de desvalorização: uma salarial, outra científica e a desvalorização do ser humano, que na minha opinião é a pior de todas!
Sem esquecer que quem acaba sendo “encostado”, não tem direito ao fundo desemprego.
Mas não há aqui nenhum uso nem abuso dos colegas arqueólogos!
Partindo do principio que uma pessoa sai da universidade com aproximadamente 23/24, sabemos que possui mais ou menos 10 anos para conseguir alcançar uma estabilidade económica. Mas com o exemplo de salário referido é praticamente impossível, a menos que viva em casa dos pais.
Estas questões, que são reais, não devemos evitar falar nelas. Alguns de nós já estiveram dos dois lados: empregador e empregado.
E não esqueçam que também em nome da ética, são ideias e opiniões que pedimos, nunca ataques pessoais.
Obrigado,
18 Comments:
Concordo com tudo o que foi escrito! Acrescento apenas que nas despesas referidas são muitas vezes acrescidas as despesas de alojamento quando trabalhamos longe de casa, embora nestes casos ás vezes os honorários sejam não de 1100 euros mensais mas sim 1270 Euros. Mas não é por isso que recebemos mais no final do mês.
Sim é verdade que ninguém a recibo verde tem direito a subsidio de desemprego, mas também é verdade que um recibo verde tem direito a assinar um contrato de avença pela prestação dos serviços, e desta forma salvaguardar aquilo que foi prometido verbalmente, nem sempre cumprido.
Mas de facto, falo por experiência própria, não se consegue estabilidade económica, nem familiar a trabalhar a recibos verdes em arqueologia, sem trabalhos certos todos os meses. Por isso mesmo já resolvi abandonar a carreira, por muito que goste da minha profissão!Poderei continuar ligada a ela de uma forma menos intensa, dar o meu contributo, aceitar alguns trabalhos, mas o meu ganha pão terá de ser obtido por outros meios definitivamente.
É triste, mas é a realidade da nossa arqueologia. E infelizmente esta opção está a ser tomada por outros colegas, alguns até já optaram por se licenciarem noutra área e tentar outra carreira!
Soluções não vejo para a resolução desta situação, os trabalhos esses também estão a diminuir e as empresas já são muitas no mercado, e desta forma os honorários pagos são de facto escandalosos em alguns casos!
Investir num mestrado? já pensei,aliás era minha intenção fazê-lo, mas sem trabalhos regulares, sem dinheiro pra esse investimento e principalmente não ver retorno deste investimento, sim porque as empresas não pagam mais por termos mais formação, decidi não o fazer! Mais um sonho adiado como tantos outros.
A única esperança é um dia ter uma cunha que me permita ter um emprego minimamente estável como qualquer outro, num organismo público, de outra forma não vejo luz no fundo do túnel!
Mas para os meus colegas arqueólogos que trabalham nestas condições, a minha força para que dias melhores se avizinhem.
saudações
pedrinha rolante
A situação dos arqueologos nessa situação é terrivel. Também passei pelos recibos verdes,há já muitos anos e durante alguns anos, mas felizmente a situação já se resolveu, mas só eu sei o que passei, as noites mal dormidas, o espectro do desemprego, etc.
Ora aqui está um bom tema.
Reconhecendo o retrato da arqueologia nacional, experimentem associar-lhe as questões de teoria e de ética. Em que estado está a arqueologia em Portugal?
A emergência é da arqueologia e do arqueológo! A teoria nunca é questionada porque não há tempo, nem dinheiro... e a ética... seria preciso juntar uma vontade ou vontades para ouvir o que cada um tem a dizer e mudar o que está para ser mudado.
A pedrinha rolante tocou num ponto que ocorre com muita frequência actualmente:
"...salvaguardar aquilo que foi prometido verbalmente, nem sempre cumprido."
Cada vez mais as empresas não cumprem o prometido e cada vez mais os pagamentos são feitos com atrasos que por vezes atingem os dois meses de espera. Sinceramente é uma pouca-vergonha.
Acredito que a preferência por mão-de-obra recém-licenciada esta relacionada com a forma de baixarem o valor dos orçamentos e também com o medo de alguns "Arqueólogos Empresários" serem confrontados com questões que não sabem resolver.
Acreditem ou não meus colegas, já presenciei muita asneira em troca de mais uns tostões de lucro no orçamento.
Gostaria que este debate fosse avante.
Da minha parte divulgarei a todos os colegas que conheço.
Parabéns pelo blog e pela iniciativa.
A verdade é somente uma: Cada vez é mais difícil trabalhar nos moldes que foram descritos.
Somente uma pessoa com uma miopia intelectual de ultimo grau, não consegue enxergar que a Arqueologia em Portugal vai de Mal a Pior.
Uns são mal pagos para exercerem a profissão, outros são pagos para ficarem de boca fechada e de braços cruzados.
Não existe ética dentro da profissão, o que existe ainda são uns poucos profissionais com ética.
Bem, o capitalismo e o liberalismo está a transformar esta profissão, e as outras, numa escravidão encapotada.
Ainda não perceberam que, tanto faz ser arqueólogo / empresário, como outra coisa qualquer / empresário num mundo às avessas que transforma as pessoas em máquinas.
Concordo com tudo que foi escrito aki.
Gostaria de acrescentar que vivemos numa situação de enorme precariedade. Além da falta de subsidio de desemprego, no caso das mulheres ainda existe problema de não possuir direito a licença maternidade. Acho que esta na hora de dar as mãos e fazer algo para mudar isto.
Há semanas num outro espaço, no meio de uma discussão, alguém sugeriu a criação de um sindicato.
O que acham disto? Será que resolveria o problema?
No programa "Choque Ideológico" da RTPN, Rui Tavares falava hoje do modo como o aparecimento de novas profissões não foi acompanhado pelo surgir de sindicatos.
Lógicamente veio-me à ideia a arqueologia. Ela é uma dessas novas profissões.
Acompanhando a explosão da modernidade em Portugal, com a entrada na Comunidade Económica Europeia (hoje União Europeia), o grande investimento em obras públicas, etc, a Arqueologia foi-se lentamente afirmando, com um crescimento exponencial de quem faz da arqueologia a sua profissão.
A contracção do investimento público veio conduzir a uma crise num sector que coabita com as necessidades de empreitada (será que não há mesmo outras soluções?).
Seja como for a degradação do mercado conduziu à degradação das condições laborais e à própria degradação da área como um todo.
Um Sindicato surge da necessidade dos trabalhadores se unirem e lutarem pela melhoria das suas condições e defesa dos seus direitos. Hoje mais do que nunca isso impõe-se como uma necessidade.
Por isso (como há dias escrevi no meu blog) é avançar! (para já não dizer Avante, pois podia ser mal interpretado).
Se não defendermos os nossos direitos, não serão de certeza as entidades patronais que os defenderão por nós.
Mas em tudo isto também sou suspeito. Afinal sou delegado sindical do SNESup (Sindicato Nacional do Ensino Superior) - instituição não filiada em qualquer central sindical. Por convicção!
Bem... ainda bem que surgiu mais um "consult�rio" do arque�logo, para al�m da Archport ;), pois considero ser urgente uma reviravolta no estado em que tudo isto est�!! E para mais com as novidades legislativas que surgiram, agora sim � que � imperativo dar um rumo e uma orienta��o � Arqueologia!
Deveria haver um organismo, uma associa��o, que tivesse poderes para estabelecer as directrizes em que uma empresa de Arqueologia se pudesse formar, que v�o desde a obrigatoriedade de uma pessoa formada em Arqueologia ou numa outra �rea muito semelhante (mas obviamente com conhecimentos pr�ticos), como a ou uma das entidades patronais da empresa (no caso de sociedades), passando tamb�m por ficarem bem estabelecidas "as regras do jogo" (regulamenta�ao), at� ao controlo do cumprimento ou n�o das mesmas. O que significa, exist�ncia de crit�rios para os diferentes trabalhos prestados pela empresa, qual a forma��o/experi�ncia m�nima da(s) pessoa(s) para esses trabalhos, e finalmente, os valores remunerat�rios m�nimos exigidos.
N�o haver� necessidade, na minha opini�o, duma Ordem. Temos pelo menos 2 associa��es de arque�logos. Era uma quest�o de se estudar as duas, ver qual delas se aproximaria mais aos interesses principais de todos n�s (vendo os estatutos de ambas), e quando se chegasse a alguma conclus�o, tentarmos, dentro do que legalmente fosse poss�vel, reformular ou acrescentar o que achassemos conveniente.
Obviamente que tudo isto s� poder� funcionar com reni�es: coms as associa��es de arque�logos, com arque�logos, com rec�m-licenciados ou ainda alunos, de forma a se esclarecer muitos deles que n�o fazem ideia do que se passa fora das paredes da faculdade.
Temos que nos mexer!
Mas como j� � tarde e tou quase a adormecer, fico-me por aki, com a promessa de voltar, e falar um pouco mais pormenorizadamente sobre estas "ideias" que aki deixo.
Abra�o.
Gostaria de saber mais sobre esta ideia.
Gostava só de deixar um comentário de fora da arqueologia... na arquitectura o que acontece é também exactamente isso. Com o extra dos estágios não remunerados que as exigências dos programas das licenciaturas e da Ordem dos Arquitectos até agora impunha (nalguns casos somavam-se mesmo os 2 estágios!!). Grátis carne para canhão. Para quem "emprega", melhor é impossível!
Sou sócio de uma empresa de Arqueologia. Durante alguns anos trabalhei para outras empresas e arqueólogos em nome individual ( que no bons velhos tempos exploravam tão bem ou melhor que as empresas). Conheço os d"dois lados da barricada" e confesso que tudo isto me incomoda. Sempre procurei dar aos outros aquilo que sempre pedi para mim, acho inacreditável que existam arqueólogos que trabalhem por menos de 1350 euros mês com despesas de alojamento, transporte, pagos. Não percebo as empresas que não fornecem todo o material necessário à execução de um trabalho, alguns colegas usam as suas máquinas fotográficas e pagam do seu bolso os relatórios!!
E o que mais me revolta é saber que não tenho qualquer tipo de hipótese de concorrer com estas empresas, porque me recuso a baixar o valor dos salários de todos os que trabalham comigo....percebem o dilema,quero pagar aquilo que é justo mas se o fizer não ganho um concurso.
Enquanto pobres diabos recém licenciados a viver em casa dos papás aceitarem ordenados de miséria esta situação há de continuar na mesma.
Infelizmente este sistema vai continuar a funcionar à conta dos recém licenciados que continuam a sujeitar-se a ordenados simbólicos, com a esperança (infundada) de galgarem patamares na carreira.
Sinceramente não vejo como alterar facilmente esta mentalidade, mas penso que parte do problema começa ainda nas universidades. A formação académica não deve resumir-se a conhecimentos técnicos, isolados de fortes bases éticas.
Como antigo técnico formado na EPA do Freixo lembro-me de vários professores nos ensinarem a valorizar as nossas capacidades e a recusar a trabalhar em condições servis, mal remuneradas e sem o equipamento técnico indispensável. Frisando sempre que se não o fizéssemos estaríamos a prejudicar o nosso futuro, o dos nossos colegas e o próprio futuro da arqueologia em Portugal.
É pena que nas grandes universidades, orgulhosamente recheadas de alguns dos melhores arqueólogos portugueses, poucos sejam aqueles que se dignem a ensinar a estudantes adultos, estas noções tão simples (mas necessárias), que se ensinam num curso técnico a miúdos de 16 e 17 anos.
P.S. - Muitos parabéns por fazer uma das raras análises racionais, directas e nada histéricas sobre questões tão relevantes para o meio arqueológico.
Foi bom ler e constatar que muitos começam a aperceber-se dos vários problemas que a arqueologia dia "empresarial" atravessa. Melhor foi ler depoimentos de antigos alunos da EPA, local onde agora exerço as minhas funções profissionais, como formador, ver que nesta instituição prima-se pelo valores de ética e sentimento de classe. Hoje, além disso procura-se também moldar mentalidades que libertem os jovens desse vínculo que é o patrão e tornem-se eles mesmos patrões de si próprios. Só com esta concorrência é que as dias mentalidades "iluminadas" também se irão transformar...
Concordo com td o k foi dito aki. tb acho k é preciso mudar muita coisa.
mas kem vai dar a cara por esta luta?
gostava de ver este assunto a ser mais debatido e não mandarem só ideias para o ar.
fikem bem e boa arqueologia
Oi pessoal do blog! Eu li no poster que vocês passam o maior aperto por causa do salário e outros percalços.
Estou no 2º colegial e essa era a profissão que queria seguir carreira e lendo os comentários sobre o assunto, acho pouco viável que eu vá me formar.
Gostaria muito de me formar em arqueologia e ser uma profissional.
Desde a semana passada eu venho pesquisando sobre o assunto e muito achei.
Pensava em fazer faculdade no exterior e trabalhar lá por um bom tempo, mas as coisas por lá, como descritas, andam difíceis.
Não quero desistir do meu sonho, mas também tentarei outra carreira.
Vi que a luta de vocês (arqueólogos) está difícil e desejo que isso tudo melhore.
Obrigada
oi,eu estou no segundo ano do ensino médio e sempre tive enteresse pela arqueologia. queria tanto exercer essa profissão. Porem,ao ler os comentarios percebi que essa profissão exige muito esforço e nao é muito valorizada.Nao sei o que fazer.pois esse é o meu sonho.pensarei em outras profissões relacionadas a essa.
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